sábado, 22 de outubro de 2011

ALIANÇA PELA VIDA? DO QUE FALA O GOVERNO DE MINAS, COM QUEM ELE FAZ ALIANÇA?

Belo Horizonte, 14 de outubro de 2011

Com alarde e muita publicidade o Governo de Minas Gerais fez sua entrada na cena do debate do momento: o consumo de crack, álcool e outras drogas e seus efeitos sociais e sanitários. Prometendo muito, como é de seu estilo, e fazendo o oposto, lançou o Programa Aliança pela Vida. Passados dois meses, é possível identificar o tipo de aliança proposto, seus principais atores e objetivo

Projeto alardeado propõe a criação de um fundo único com recursos públicos de órgãos e secretarias do Estado que desenvolvem programas sociais e projetos de prevenção e combate às drogas. Cada um destes setores destinará 1% do seu orçamento para ações voltadas a usuários de crack, álcool e outras drogas, e tem, de acordo com texto oficial, seu “foco principal” na parceria do Estado com entidades da sociedade civil. Noutras palavras, trata-se da velha e requentada fórmula de terceirização da política pública, algo que este governo faz com maestria. E, além disso, neste caso específico, reafirma sua posição nesta política, ou seja, a adoção da exclusão como método de tratamento dos usuários de crack, álcool e outras drogas, por meio da internação em comunidades terapêuticas.


Algumas ações do referido programa merecem destaque pelo seu inequívoco caráter segregativo e higienista. O primeiro, o Rua Livre, introduz nas chamadas cenas de uso, nos locais de consumo e comércio de drogas, nas bocas, a presença de uma equipe constituída pelo poder repressivo: a Polícia Militar em parceria com técnicos da saúde mental, que aceitaram a função de agentes da ordem e da norma, que aborda e “convida” _ com o poder de intimidação da força da farda e do camburão _ ao tratamento em comunidades terapêuticas. Ação pontual, de caráter marcadamente higienista que se opõe à lógica de trabalho dos Consultórios de Rua, dispositivos do Sistema Único de Saúde criados para atender, especificamente, aos usuários de crack, álcool e outras drogas em situação de rua.
O segundo, o Cartão Aliança pela Vida, que já ganhou o apelido de “bolsa crack”, novidade do momento, é um mecanismo de transferência de renda que estimula, de novo, a segregação do usuário, na medida em que concede à família, ao tutor ou curador, ou ainda qualquer pessoa do “núcleo familiar” definido em decreto, até R$ 900,00 (novecentos reais), por mês, para custear as despesas de internação em comunidades terapêuticas ou entidades especializadas de atendimento.

Uma primeira questão se coloca: esta bolsa contraria a lógica dos mecanismos de transferência de renda, tais como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), o Bolsa Família, O Programa de Volta para Casa, pois todos privilegiam o exercício da cidadania e da autonomia dos sujeitos e não sua exclusão, como faz a “bolsa crack”. A outra questão diz respeito ao estímulo à privatização da atenção na medida em que investe na criação e ampliação de serviços privados contratados/conveniados, quando deveria e poderia investir no fortalecimento de uma rede substitutiva pública voltada aos usuários de crack, álcool e outras drogas.


Não é possível servir a dois senhores. A Lei federal 10.216/2001, os princípios Sistema Único de Saúde e da Reforma Psiquiátrica são inconciliáveis com a lógica política que o governo do Estado de Minas Gerais defende. Todo o seu investimento privilegia um único ponto: a internação em comunidades terapêuticas e afins.As entidades que assinam este documento e que têm se mobilizado e buscado intervir nos debates nacional, estadual e municipal sobre a questão da droga, repudiam esta iniciativa vergonhosa do Governo do Estado de Minas Gerais e assumem a defesa do Sistema Único de Saúde e da Reforma Psiquiátrica, provocando o poder público a investir na consolidação das políticas de saúde e de saúde mental, assegurando, assim, a continuidade e avanço do projeto antimanicomial.


Assinam este documento:
Fórum Mineiro de Saúde Mental
Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (RENILA)
Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais
Associação Loucos Por Você, de IpatingaASSUME, de João MonlevadeSuricato ­­– 
Associação de Trabalho e Produção Solidária
Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade
Frente Antiprisional das Brigadas Populares
Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais (ASUSSAM)
Comissão Municipal de Reforma Psiquiátrica de Belo Horizonte
REDAMIG – Redutores de Danos de Minas Gerais
Fórum de Juventudes de Belo Horizonte
Fórum de Formação em Saúde Mental de Minas Gerais
Fórum Mineiro em Defesa do SUS e Contra a Privatização
Coletivo Espaço Saúde
Centro Acadêmico de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG
Comissão Interna da luta antimanicomial do Centro de Convivência São Paulo (CILA)
Coletivo de residentes da Residência Multiprofissional de Saúde Mental da Escola de Saúde Pública de MG e SMSA de Betim
Sindicato dos Psicólogos de Minas Gerais

Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania/IHG
Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte
Pastoral Nacional do Povo da Rua

Partido Socialismo e Liberdade- PSOL

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Fernando Brito: Para entender a “carga tributária” no Brasil

por Fernando Brito, no blog Projeto Nacional, sugestão de MVM
“Quem paga imposto no Brasil são basicamente os pobres.”
A frase é do presidente do Ipea, economista Márcio Pochmann, e talvez você já a tenha ouvido algumas vezes pensando, talvez, em sonegação fiscal.
É triste dizer isso, mas infelizmente é, na sua essência, um problema pior, porque não se resolve com medidas administrativas.
Essa pausa do final de semana pode ajudar a gente, no meio do torvelinho da crise, a falar algo de útil para a compreensão do assunto.
O Brasil tem um cipoal de impostos e uma carga tributária que, se não é alta pelo padrão de países desenvolvidos, também não é baixa, se considerada sua repercussão sobre o mundo do trabalho e da produção.
Mas é o peso que tem cada grupo de impostos que vai nos dizer quem está pagando quanto de impostos.
A maior parte do bolo é, disparado, a do imposto indireto, cobrado sobre o consumo.
Cerca de 60% do total de impostos recolhido no Brasil incide sobre o que as pessoas consomem. Além do ICMS e do Imposto sobre Produtos Industrializados, que representam metade deste percentual, atingem o consumo todos os tributos que vão parar lá na nota fiscal dos produtos ou serviços consumidos pela população: ISS, Cofins, etc…
Aumentar estes impostos, portanto, significa aumentar preços e, consequentemente, reduzir o poder de compra da população. E, em geral, fazer isso em cima dos mais pobres. Por quê? Porque os impostos sobre consumo representam, em média, um peso sobre a renda disponível três vezes maior sobre os que ganham menos de três salários mínimos quando se compara ao que pagam os que tem renda de mais de 20 salários-mínimos.
Por mais que se possa ajustar a alíquota sobre cada bem – o feijão, por exemplo, ter uma alíquota menor que as bebidas, o que basta para mostrar como é injusto o tal “imposto único” – este imposto embute uma “cegueira” social: não importa que seja rico ou pobre, todos pagam o mesmo.
Já os impostos diretos, que incidem diretamente sobre a renda e a riqueza patrimonial,  são  mais diretos e que menos impactam a atividade econômica, porque incidem sobre o resultado do término dela, no indivíduo ou na empresa.
O maior destes impostos, o de renda, representa, aproximadamente, 25% de nossa carga tributária, apenas. E nela, a renda do trabalho e a do capital quase empatam: a renda do trabalho responde por 10%, enquanto a renda do capital corresponde a 11%, restando 4% para outras rendas.
Nosso imposto de renda não apenas é baixo para quem ganha muito e alto para quem ganha pouco, com poucas e limitadas faixas de renda, como é mal distribuído entre os tipos de atividade econômica das empresas.
Para sustentar a a primeira afirmação, olhe este gráfico abaixo (clique no gráfico para ampliar)  elaborado pela KPMG, uma das gigantes mundiais no ramo de auditoria e consultoria contábeis. Repare que, para quem tem renda superalta, o peso dos impostos (inclusive os previdenciários) aplicados no Brasil só é maior que o dos paraísos fiscais, plenos ou parciais, e do que alguns países ex-bloco soviético, onde o sistema tributário foi remontado a partir do fim dos regimes comunistas e – já está claro – não se sustenta.
Repare que não se está comparando apenas com os países ricos, para evitar o argumento de que paga-se muito lá mas os serviços estatais são bons. Aliás, nem isso é verdade, como se vê no exemplo dramático de existirem nos EUA 50 milhões de pessoas sem qualquer – boa ou ruim – cobertura médica.
Se aquele magnata americano, o Warren Buffett, fosse brasileiro, o seu artigo “Parem de mimar os super-ricos” seria muito mais contundente do que foi nos Estados Unidos, onde os impostos diretos são mais altos.
Quanto à má distribuição entre os setores, ela fica clara quando se observa os critérios de tributação: as maiores alíquotas incidem sobre a renda do trabalho. Os bancos, por exemplo, recolhem cinco vezes menos imposto de renda do que todas as pessoas físicas do país. E as empresas se valem da isenção de imposto sobre seu lucro, em boa parte, pelo ‘pagamento de juros sobre o capital próprio” feito a seus acionistas, entre outros mecanismos para “driblar” recolhimentos maiores.
O último grupo de impostos, então, é mais escandaloso: o sobre o patrimônio. Em países desenvolvidos, e que ninguém põe em dúvida serem liberais, os impostos sobre patrimônio representam mais de 10% da arrecadação tributária: no Canadá são10%, Japão,10,3%, na Coréia,11,8%), na Inglaterra,11,9% e  nos EUA nada menos que12,15%.
No Brasil, 3,4%.
Este é o quadro de um país que se escandaliza com um aumento de 0,1% sobre as rendas mais altas – embora seja adequada a discussão sobre o que é renda mais alta, aqui – para financiar o sistema público de saúde.
A ineficiência dos serviços públicos, se tem de ser vencida pela profissionalização e modernização da sua administração não pode servir de biombo para a realidade que foi sintetizada pelo professor Pochmann:
“Quem paga imposto no Brasil são basicamente os pobres.”

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Saúde: orçamento e financiamento


Saúde: orçamento e financiamento

O gasto com saúde no Brasil é inferior a 4% do seu PIB. Países que possuem um sistema de saúde semelhante ao SUS brasileiro gastam pelo menos 6% do PIB. Tais países, como o Reino Unido e a Alemanha, ademais, possuem uma população menor que a do Brasil. A pergunta é: quantos bilhões de reais devemos acrescentar ao orçamento público da saúde?
Por João SicsuCarta Maior
A justiça social, ou seja, a redução de desigualdades, também deve ser promovida por intermédio do gasto do orçamento público. Além disso, o gasto público pode ser utilizado para promover a melhoria da qualidade de vida ao gerar crescimento e estabilidade macroeconômica. Os objetivos da justiça social, do crescimento e da estabilidade não são contraditórios.
O gasto público pode promover justiça social e melhoria da qualidade de vida da população quando é distributivo de renda, de bens e de serviços para aqueles que não teriam condições de adquiri-los quando disponíveis em mercados comandados pela lei da oferta e da procura. Esperar que a justiça social seja encontrada em competição no livre jogo de mercado é equivalente a esperar pelo “dia de são nunca”.
Pode-se, então, analisar os gastos públicos federais no Brasil sob a ótica distributivista e de justiça social descritas. Objetiva-se analisar, mais especificamente, as possibilidades de financiamento e o gasto com a saúde pública. Em 2010, o Governo Federal gastou apenas R$ 54,5 bilhões nessa rubrica. Gastou, no mesmo ano, em educação, R$ 40,2 bi e com o pagamento de juros referentes ao serviço da dívida pública, R$ 195 bi. Em 2008, último ano em que os dados sobre municípios e estados estão disponíveis, o gasto total das três esferas de governo em saúde, foi de R$ 109 bilhões.
O gasto total com saúde no Brasil é, portanto, inferior a 4% do seu PIB. Países que possuem um sistema de saúde gratuito semelhante ao SUS brasileiro gastam pelo menos 6% do PIB. Tais países, como o Reino Unido e a Alemanha, ademais, possuem uma população menor que a do Brasil. Maior orçamento público da saúde em relação ao PIB, economias maiores e populações menores são fatores que explicam a qualidade desses sistemas de saúde.
A economia tem crescido nos últimos anos, a população brasileira está aumentando a taxas mais reduzidas, mas o orçamento público para a saúde é limitado. Portanto, o desafio é aumentar o gasto com a saúde pública.
A pergunta é: quantos bilhões de reais devemos acrescentar ao orçamento público da saúde? Um amigo sugeriu uma “conta de padaria”: um plano de saúde privado voltado para a classe média C cobra mensalidade de R$ 90 (e promete um “paraíso” aos seus potenciais clientes), multiplique-se este valor pela população (194 milhões de habitantes), multiplique-se por 12, e encontra-se o gasto total anual necessário mínimo – (mínimo porque a população sabe que promessas de planos de saúde privados não são críveis). Feita a “conta de padaria”, chega-se ao valor aproximado de R$ 90 bilhões adicionais.
Não é possível transferir esse montante das demais rubricas do orçamento para a saúde. Somente uma delas é passível e necessária de ser reduzida: serviço da dívida pública mobiliária federal (ou seja, o pagamento de juros por parte do governo federal). Mas, outras fontes de financiamento para a saúde devem ser acionadas: a carga tributária sobre os pobres e a classe média é alta quando comparada com a carga da altíssima classe média, dos ricos e das grandes corporações financeiras e não-financeiras.
Portanto, o óbvio pode ser feito: reduzir a remuneração dos títulos da dívida pública e tributar, elevar alíquotas e estabelecer novas contribuições para os segmentos que têm feito pouco sacrifício contributivo.
Seguem abaixo algumas sugestões, que poderiam ser combinadas e utilizadas em conjunto:
(a) aumentar a alíquota de Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL) paga por instituições financeiras; em 2008, o Governo aumentou esta alíquota de 9 para 15%; quando o governo fez a majoração através de uma Medida Provisória, o DEM (partido político) apresentou ao STF uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI); o governo para rebater a ADI informou ao STF que “… não pode haver dúvidas de que, se há um setor econômico, no Brasil, que caberia ser o destinatário de alíquota majorada da CSLL (…), este setor é o setor financeiro, que, a cada ano, bate novos recordes, a nível mundial em relação a esse setor econômico, em matéria de lucros”; mais ainda, em 2007, o senador tucano Álvaro Dias apresentou projeto de lei para estabelecer alíquota de 18% para a CSLL paga pelos bancos e demais instituições financeiras;
(b) tributar lucros remetidos ao exterior por parte de multinacionais (bancos e empresas), que pela legislação em vigor são isentos de imposto de renda; o valor dos recursos remetidos às matrizes nos doze meses compreendidos entre agosto de 2010 e julho de 2011 alcançou US$ 34,19 bilhões; no mês de agosto, o setor financeiro multinacional remeteu quase US$ 1 bilhão ao exterior; a remessa total nesse mês foi superior a US$ 5 bilhões;
(c) tributar a propriedade de jatinhos, helicópteros, iates e lanchas, que pela legislação atual não pagam imposto; diferentemente da propriedade de carros populares, que pagam IPVA;
(d) apurar as formas de fiscalização do pagamento do imposto territorial rural (ITR), que contribuiu somente com 0,07% do total arrecadado pela União em 2010, ou seja, apenas R$ 526 milhões; uma forma de aumentar a arrecadação desse imposto seria estabelecer em lei que o valor declarado da terra pelo proprietário para efeito de pagamento do ITR deveria ser utilizado pela União em processos de desapropriação;
(e) Criar um IGMF, imposto sobre as grandes movimentações financeiras, que tributaria aqueles (pessoa física ou jurídica) que movimentassem mensalmente valores superiores a R$ 2 milhões.
Por último, é importante reconhecer que a gestão do orçamento da saúde deve ser aprimorada para que sejam evitados desperdícios e desvios de recursos. Entretanto, também é importante reconhecer que os recursos atuais são nitidamente insuficientes. O caminho ideal seria iniciar, de forma simultânea, um processo de auditoria, melhoria de gestão e ampliação das fontes de financiamento para a saúde pública no Brasil.
João Sicsu é Professor-Doutor do Instituto de Economia do Rio de Janeiro