sexta-feira, 11 de outubro de 2013

CARTA AO SECRETÁRIO MUNICIPAL DE SAÚDE DE BELO HORIZONTE NO DIA MUNDIAL DA SAÚDE MENTAL

A discussão a respeito das políticas públicas sobre drogas tem gerado, em todo o país, preocupações que mobilizam a sociedade, desencadeando manifestações que denunciam violações de direitos humanos, estigmatização do usuário, retrocessos e o retorno de práticas de exclusão como modo de tratar o sofrimento humano. Exemplos disto são as chamadas internações forçadas realizadas em São Paulo e Rio de Janeiro que, por terem sido amplamente divulgadas, levam à crença de que apenas estas cidades adotam a violência como resposta ao consumo de drogas.

Em vinte anos de percurso, a Política de Saúde Mental de Belo Horizonte soube não ceder a chantagens e pressões, apresentando-se todas as vezes que foi demandada e interpelada para assumir a responsabilidade que lhe cabia, mas também para convidar à construção de possibilidades de inclusão. Decorridos tantos anos e tendo a rede se firmado como referência para o tratamento, como porta aberta, acessível e responsável pelo acolhimento, cuidado e proteção aos usuários, assistimos, com tristeza, a escolha por outra direção.  

Em nome do horror à droga e fazendo coro com o alarmismo geral, a gestão atual, sem questionar nem propor saídas coerentes com a prática e história da saúde mental do município, passa a ser a mera executora de ordens dadas pelo judiciário, ministério e defensoria públicos.

Os pedidos de internações compulsórias entre setembro de 2012 e agosto de 2013, que chegaram aos hospitais psiquiátricos Instituto Raul Soares e Hospital Galba Veloso, já ultrapassam a 450. A maioria desses usuários é proveniente do interior do Estado mas, infelizmente, Belo Horizonte não faz diferente: segue a prática do gestor estadual e faz ainda pior.  A gestão municipal retira dos serviços da sua rede usuários em tratamento, inclusive em CERSAMs, para interná-los, cumprindo a ordem dada por outros, em hospitais psiquiátricos e em comunidades terapêuticas.

O gestor municipal da saúde, ao se submeter a ordem externa, rompe com o compromisso de ser o condutor da política de saúde. Para cumprir a ordem imposta, desautoriza serviços e intervêm sobre o tratamento e coloca recursos de atenção à urgência, como as equipes do SAMU (amparadas pela polícia) para funcionarem como equipamentos de captura e não de tratamento e cuidado.

Lembramos que tais medidas não encontram respaldo nem nas leis da Reforma Psiquiátrica, nem na de políticas sobre drogas. A lei 10.216 inscreve a internação – em qualquer de suas modalidades, como um último procedimento. O que não se aplica a tais situações, posto que os usuários estavam em tratamento. O que ocorreu não foi o cumprimento da lei, ou melhor, o acesso ao direito à saúde, mas produção de violência e desrespeito.

Curiosamente, as normas do SUS não são tão observadas. Ou melhor, em nome de acordos políticos, a gestão torce e desrespeita o que preconizam as normativas do SUS.

A ampliação dos consultórios de rua exemplifica esta afirmação. Fruto de uma farsa política que desconsidera ou desconhece a prática das equipes dos consultórios públicos já existentes, este arranjo grotesco, formatado em ação entre o município de Belo Horizonte e o governo estadual, foi posto em prática para atender as demandas das comunidades terapêuticas, instituições privadas e de caráter religioso. Esta parceria introduziu nas cenas de uso de drogas, equipes que trabalham orientados por estas instituições e que, em campo, recolhem e internam, além de impor a abstinência e adoção de credo. Por desconhecimento ou por decisão, o gestor põe em risco as equipes dos consultórios de rua públicos já existentes anteriormente e inviabiliza o trabalho com os usuários, atravessados por equipes cujos princípios e práticas são completamente opostas.
Lamentável escolha e injusta intervenção sobre uma política que é patrimônio vivo da cidade de Belo Horizonte. E, em nome desta lembrança e por respeito a este patrimônio, convidamos o gestor de saúde do município a rever sua posição, a abrir o diálogo e retificar sua condução, dando assim continuidade e contribuição à escrita de uma história que fez desta cidade referência no tratamento em saúde mental. A escrita que desejamos ver produzida é a da história de uma arquitetura de inclusão e não a da destruição de um patrimônio coletivo.
 
Belo Horizonte, 10 de Outubro de 2013 - DIA MUNDIAL DA SAÚDE MENTAL!!!!
ASSINAM:
 
Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais - ASUSSAM
Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais
Fórum em Defesa do SUS e Contra as Privatizações
Fórum Mineiro de Saúde Mental
Frente Mineira sobre Drogas e Direitos Humanos
Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial
Sindicato dos Psicólogos de Minas Gerais
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário