sexta-feira, 30 de setembro de 2011

A luta pela Saúde Publica

Discutir saúde pública também é discutir o que é saúde. Sabemos como é difícil formular esse conceito, que tem uma dimensão um pouco subjetiva. Mesmo assim é importante apresentarmos uma reflexão ampliada do conceito, a reflexão da VIII Conferência Nacional de Saúde, que define saúde como uma resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e, por fim, acesso aos próprios serviços de saúde . O “ter saúde” não é somente ter um médico no centro de saúde ou mais hospitais, embora isso tenha a sua importância: passa pela adoção de políticas sociais e econômicas que propiciem igualdade social; ou mais ainda: pelo fim da exploração do homem pelo homem. Pensando dessa maneira, uma família abaixo da linha da pobreza, sem moradia, apresenta limitações quanto ao seu direito à saúde.

O Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado em meio a esse conceito e apresenta um caráter universalista nas praticas de saúde. “O SUS é para todos”. Sendo da classe alta ou da baixa, querendo ou não, mesmo sem saber, somos usuário do SUS. Tanto uma pessoa de classe alta, ao jantar em restaurante sofisticado, por exemplo, já que a vigilância sanitária é do SUS, quanto toda a classe média, num momento como o período de vacinação.
Mesmo com uma grande vitória e mudanças significativas nas políticas de acesso da saúde no Brasil, sabemos que o SUS, infelizmente, não é defendido por todos. Vários são os problemas que a saúde pública enfrenta, principalmente pela falta de um real financiamento, capaz de garantir a universalidade, a igualdade e a integralidade do acesso.
Segundo Francisco Junior (Conselho Nacional de Saúde), foi colocado em prática um projeto de transferência dos recursos financeiros e do patrimônio do SUS para grupos político e econômicos e corporações privadas, bem de acordo com a nossa cultura e a nossa história. Tudo ocorreu, diga-se, sob um assustador, constrangedor, vergonhoso e comprometedor silêncio. Vemos, então, um processo de ataques privatizantes ao SUS, tanto nas relações de trabalho como as terceirizações; tanto na gestão dos serviços, como as OS's, OSCIP's, ONG's, enfim, nas empresas “parceiras”, que na verdade são formas de privatização da saúde pública. As Organizações Sociais já sofrem denuncias em todo o país, e existe a suspeita de um rombo de quase R$147,18 milhões dos hospitais de São Paulo, mostrando que o argumento da eficácia e da agilidade dos serviços são disfarces de setores reacionários.
É de extrema importância o controle social do SUS, com a participação dos usuários nos Conselhos de Saúde. Entretanto, essas instâncias também sofrem ataques. Vemos hoje o próprio ministro da saúde como o presidente do Conselho Nacional de Saúde; em muitas cidades, os conselhos são manipulados por gestores e as deliberações não são cumpridas; já existem em conferências delegados profissionais que estão alinhados a grupos governistas. É, portanto, imprescindível  a  ocupação destes espaços de maneira politizada, para um verdadeiro embate.
Está claro que defender o SUS é lutar contra fortes setores econômicos e políticos, como a indústria farmacêutica, os planos de saúde, as empresas de saúde, que tratam as questões de saúde com lógica de mercado. Vale ressaltar que em várias cidades já existem fóruns populares de saúde e frentes em defesa do SUS que são capazes de, minimamente, aglutinar entidades e lutadores, capazes de unir a todos e todas que defendem o SUS idealizado em 1988, com todos os seus princípios.  Essa luta não é apenas dos militantes da saúde, mas de toda população brasileira.
Por Ellen Naiara

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Os riscos escondidos do crack

Há um problema no artigo recente em que Dráusio Varela propõe internação compulsória dos dependentes. As cracolândias exigem ação — mas também calma…
Por Antonio Lancetti, do DAR – Desentorpecendo A Razão
Um dos maiores riscos da incidência do crack no cenário nacional é o da interrupção do processo de construção do sistema público de saúde mental brasileiro, tido como exemplar por representantes da Organização Mundial de Saúde, inclusive para países de grande população, como Índia ou China.A lei argentina de saúde mental, recentemente promulgada, é baseada em nossa lei, a 10.216, com a diferença de que no país vizinho a internação compulsória deve ser decidida pela família e por uma equipe multidisciplinar com, pelo menos, a assinatura de um médico e um psicólogo. Aqui, basta a assinatura do médico.
Esse processo de construção de nosso SUS da Saúde Mental chama-se reforma psiquiátrica pelo fato de que, nas últimas décadas, foram fechados vários locais de horror (em torno de 60 mil leitos), onde a simples permanência de alguns dias deixaria qualquer leitor pelo menos mais deprimido do que entrou.O resgate de cada um desses seres humanos exigiu um enorme esforço por parte dos terapeutas. A suspensão dos procedimentos iatrogênicos, como sequestro, maus tratos, tempos e espaços fixos e repetitivos e outras formas de desrespeito aos direitos, não foi suficiente.
Houve necessidade de criar, utilizando todos os saberes existentes (psiquiatria, psicanálise, psicologia social, socioanálise, esquizoanálise, arte, economia solidária, etc.), instituições velozes, criativas, que operam onde as pessoas habitam.
Os chamados CAPS – Centros de Atenção Psicossocial — vão se constituindo em serviços de 24 horas de funcionamento, com internações, integrados a serviços de emergência e moradias terapêuticas onde vivem oito pessoas que saíram de internações de 10 ou 20 anos, mostrando que o hospital psiquiátrico é cada vez mais prescindível.
Além desses serviços, hoje se faz saúde mental nos mais recônditos locais, por meio da parceria de equipes especializadas com médicos de família, enfermeiros e agentes comunitários de saúde, atendendo inclusive casos graves, ajudando na diminuição da internação psiquiátrica, da violência e do consumo de drogas legais e ilegais.
Mas o chamado Movimento da Luta Antimanicomial (que conta com usuários e familiares de usuários) está em uma encruzilhada. Aprendeu a cuidar de casos graves desconstruindo manicômios e atendendo as crises nos bairros, melhorando a reabilitação das pessoas com grave sofrimento psíquico. Agora, com o advento dos dependentes de crack, expostos na paisagem urbana e na mídia, devem enfrentar um clamor pelas internações em clínicas fechadas, primas-irmãs dos hospícios.
As cracolândias, onde qualquer um é aceito, são ao mesmo tempo manicômios a céu aberto, no dizer de Franco Rotelli, um dos principais líderes da Psiquiatria Democrática Italiana**.
Mas transformaremos esses manicômios criando outros manicômios?
As cracolândias são os manicômios pós-modernos e os craqueiros, os loucos do século XXI. E estão aí, nas regiões degradadas das cidades para mostrar nosso fracasso, nossa miséria existencial consumista. O modo como vamos enfrentar a questão expressará nossa sabedoria e ética.
O artigo de Drauzio Varella, da Folha de S.Paulo de 16 de julho, convoca a internação compulsória dos craqueiros e craqueiras e termina perguntando: “Se fosse seu filho, você o deixaria de cobertorzinho nas costas dormindo na sarjeta?”.
Essa pergunta sugere imediatamente a diferenciação de crianças e adultos. Mesmo com famílias que não se importem com o cobertorzinho nas costas, interná-los à força implica a existência de um vínculo que se aproxime ao de pai e mãe. Gerará ódio, ressentimento e futuras rebeliões se forem brutalmente recolhidos e amontoados em grande número ou com metodologias negativas e baseadas exclusivamente na abstinência.
Em segundo lugar, o que o doutor Drauzio talvez não saiba (e acredito que gostaria de saber) é que muitos desses homens, mulheres e crianças estão com graves problemas de saúde e já estão sendo internados em São Paulo (embora o sistema precise ser aperfeiçoado), em hospitais gerais e atendidos em Unidades Básicas de Saúde por equipes de Saúde da Família. Eles não pedem para ser tratados da dependência, mas demandam atendimentos clínicos e, como consequência do vínculo com seus cuidadores, muitos pedem ajuda para abandonar o uso do crack.
Internar ou prender todos os craqueiros é tão ideológico como pensar que eles vão sair daí pela própria vontade. Ou, dito de outra forma, o problema não é internar – que na prática funciona como uma redução de danos -, mas sim como internar e, principalmente, onde e com que perspectivas.
E o que faremos com instituições fechadas que já estão sendo criadas pelo Brasil afora, especialmente as denominadas comunidades terapêuticas? Como se sabe, as instituições de contenção fundamentadas na abstinência possuem uma tendência à cronificação e algumas usam recursos violentos ou não se adequam às regras sanitárias vigentes.
As instituições que cuidam de crianças e adolescentes usuários de drogas não podem ser de contenção, mas de aceleração e criatividade. Em São Bernardo, por exemplo, há Centros de Atenção 24 horas para adolescentes dependentes de drogas, moradias fundamentadas em propostas pedagógicas de ação: meninos e meninas têm atividades o dia inteiro e à noite, sessões de cinema. Em Vitória, Espírito Santo, o atendimento é feito a partir das equipes de Saúde da Família associadas ao CAPS Álcool e Drogas ou pelo consultório de rua… E há muitos trabalhos interessantes sendo realizados no Brasil.
Nessa hora de desespero, devemos tomar cuidado com os fenômenos que costumo chamar contrafissura ou tentação de cair no erro da guerra às drogas, infiltrados na clínica e no alarmismo infundido na população.
A intervenção nas cracolândias exige ação e calma. Por enquanto no Brasil, a única pesquisa que demonstrou ter êxito significativo, em torno de 70%, foi a realizada pela Unifesp – “O uso de cannabis por dependentes de crack – um exemplo de redução de danos”, Eliseu Labigaline Jr. in Consumo de Drogas Desafios de Perspectivas, de Fábio Mesquita e Sergio Seibel, Ed. Hucitec, 2000 -, livro que leva apresentação de Drauzio Varella. A pesquisa constata mudança de comportamento, como parar de roubar a família, voltar a estudar, trabalhar e, inclusive, parar de usar maconha.
Mas nenhuma estratégia parece ser aplicável como receita única. Calma não significa paralisia, mas enfrentar o problema em sua complexidade de modo a não interromper o processo vitorioso e eficaz da reforma psiquiátrica, mas aprofundá-lo.
Os riscos são muitos e, por isso, é sempre bom lembrar de que o problema das drogas está longe de depender exclusivamente da saúde. O termômetro que avaliará o valor e a ética do processo será a observância ou não dos diretos das pessoas assistidas e, consequentemente, a sua eficácia.

*Psicanalista, autor de Clínica Peripatética, Editora Hucitec.
**Acompanhei os doutores Franco Rotelli e Angelo Righetti em uma visita à cracolândia de São Paulo e a expressão me foi transmitida por Roberto Tykanori, coordenador nacional de saúde mental.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Emenda 29: Qual regulamentação? (#PrimaveradaSaúde)


Felizmente o debate sobre a regulamentação da Emenda Constitucional 29 volta à ordem do dia, depois de alguns anos “na gaveta”. Confesso que não ando otimista quanto às perspectivas dessa regulamentação, mas espero me surpreender positivamente com os desdobramentos da #PrimaveradaSaúde.
Não vou citar números, menos ainda analisar as possíveis versões da regulamentação – para isso, recomendo ler as Domingueiras do Gilson Carvalho, com a ressalva de que não concordo com a posição dele sobre algumas questões.
Meu objetivo aqui é outro: resgatar um documento escrito e assinado por cerca de 40 entidadesdurante a 13a Conferência Nacional de Saúde, em 2007. Na época, havia sido aprovada uma versão da regulamentação que era bastante insatisfatória em termos de recursos para o SUS (alguma semelhança com a situação de hoje?). Assim, não bastava que a Conferência aprovasse a “Regulamentação da EC 29″ como proposta”; era essencial tomar posição sobre qual regulamentação queremos.
Nesse sentido, o documento “EC 29: Qual Regulamentação?”, datado de 18/11/2007, pede que“seja resgatado o texto que fixa 10% da Receita Corrente Bruta como recurso mínimo a ser destinado à saúde pelo governo federal”. A #PrimaveradaSaúde precisa encampar claramente essa bandeira!
Além disso, me preocupa que o debate fique restrito à regulamentação da Emenda 29, sem incorporar pautas fundamentais como a Revisão da Lei de Responsabilidade Fiscal (para que os municípios possam contratar diretamente os trabalhadores do SUS em número adequado e com remuneração digna) ou a Luta Contra as Privatizações na Saúde.
Aliás, além das leis de Organizações Sociais recém-aprovadas no Rio de Janeiro e em João Pessoa, está na pauta da Câmara dos Deputados o absurdo Projeto de Lei 1.749/2011, novo número da extinta Medida Provisória 520/2010, que pretende instituir a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). Será que a Primavera da Saúde não vai tomar posição sobre essas questões?
Segue a íntegra do tal documento – basta clicar na miniatura para ler, baixar ou imprimir:

Por: Francisco Mogadouro da Cunha (Chicão)

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

REUNIÃO DO FÓRUM NESTA SEXTA - 09 DE SETEMBRO


Participe da Reunião do Fórum
Dia 09 de setembro - 18:00 horas.
Local: SINBIBEL - Av. Afonso Pena, 726 - 18 andar.

Pautas definida na ultima reunião:
1- Seminário Estadual do Fórum
2- Conferencia Estadual de Saúde
        - nossas defesas (Paulo, Ines e Carlinhos vão levar proposta)
        - reunião com Delegados 
3- Pastoral da Saúde
        - encontro estadual em 17 e 18 de setembro e convite para evento dia 25 de setembro
4- Outros

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

MOBILIZAÇÃO NO RIO DE JANEIRO CONTRA OS´s NA SAÚDE

RESISTIR E IMPEDIR A APROVAÇÃO DO PROJETO DE LEI QUE AUTORIZA A GESTÃO POR OS’s (ORGANIZAÇÕES SOCIAIS) DAS UNIDADES DE SAÚDE NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO


É a chance de mostrar aos deputados a rejeição da sociedade ao Projeto de Lei nº 767/2011 que privatiza a saúde.
Porque lutamos:
  • Projeto de Lei que Privatiza a Saúde estadual é Inconstitucional
Está para ser votado a qualquer momento, na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ), o Projeto de Lei nº 767/2011 que propõe o repasse da gestão pública da saúde - patrimônio, equipamento e pessoal - para a iniciativa privada. Foi apresentado pelo governador, no dia 16 de agosto, como processo legislativo em regime de urgência. A disputa está acirrada na ALERJ entre os que são a favor e contra ao polêmico Projeto de Lei. Na votação preliminar das Comissões da Saúde e de Justiça, no último dia 23/08, deu empate. A escadaria e as galerias da ALERJ estavam lotadas de manifestantes contrários ao tal PL, os quais gritavam palavras de ordem em defesa do Sistema Único de Saúde (SUS). A própria base do governo está dividida, com deputados que votaram contrários. Existe um total de 308 Emendas Parlamentares ao PL, número inédito na história desta Casa. Mas, por que este Projeto de Lei é tão polêmico?
Trata-se de um Projeto de Lei para legalizar a terceirização da gestão de serviços da saúde para entidades privadas, mediante o repasse de recursos públicos, patrimônio, equipamento e servidores. Consubstancia-se a entrega do que é público para o setor privado, subsidiando-o com recursos públicos.
A Constituição Federal assegura o direito à Saúde, no Art. 196, como dever do Estado, o que o impede de desresponsabilizar-se da prestação direta deste serviço, não podendo repassá-los para entidades privadas. A cessão de servidores públicos com ônus para a origem (órgão do Poder Público), prevista no artigo 30 do referido Projeto de Lei, é inadmissível à luz dos princípios mais elementares do Direito, assim como obrigá-los à prestação de serviços a entidades privadas, quando foram concursados para trabalharem em órgãos públicos.

  • A Lei que cria as OSs é questionada no STF
A constitucionalidade da Lei Federal que cria as OSs (9.637/98), na qual o PL nº 767/2011 se baseia, está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal através da Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI nº 1923, apresentada pelo PT e PDT em 1998. Este questionamento se dar por vários motivos, entre eles porque as Organizações Sociais (OSs): podem contratar funcionários sem concurso público e adquirir bens e serviços sem processo licitatório; extingue o controle social; não contempla os controles próprios do regular funciona­mento da coisa pública; promove a terceirização das atividades-fim do Estado como a da Saúde. A sociedade brasileira está mobilizada contra as OSs e pela procedência da ADI 1923/98. A Frente Nacional contra a Privatização da Saúde, formada por diversas entidades[1], movimentos sociais, fóruns estaduais de saúde, centrais sindicais, sindicatos, partidos políticos e projetos universitários, já recolheu mais de 6 mil assinaturas e 400 entidades assinaram uma carta dirigida aos Ministros do STF. Esta ADI entrou na pauta do SFT este ano e o Ministro relator, Ayres Britto, deu o voto pela sua procedência parcial, quando afirmou, ao tratar do Programa Nacional de Publicização, nos termos da Lei 9.637/98, que é: “Fácil notar, então, que se trata mesmo é de um programa de privatização. Privatização, cuja inconstitucionalidade, para mim, é manifesta [...] os serviços públicos não poderão ser extintos e a função de executá-los é do Estado”.
  • As OSs são fontes de corrupção
A OSs têm trazido prejuízos à sociedade, aos trabalhadores e ao erário, basta observar o que está acontecendo nos estados em que já foram implantadas. Nos estados que já implantaram as OSs, essas vêm sendo investigadas pelo Ministério Público por denúncias de irregularidades e/ou desvios de recursos públicos. Na Bahia, em 2009, o MPE e MPF denunciaram irregularidades no contrato firmado entre a Secretaria Municipal de Saúde de Salvador e a Real Sociedade Espanhola de Beneficência. Constatou-se um prejuízo estimado em 40 milhões para os cofres públicos. Na cidade de São Paulo, em abril de 2010, um grupo de vereadores visitou o hospital municipal São Luiz Gonzaga, no Jaçanã, e descobriu que a Organização Social Irmandade da Santa Casa de São Paulo não realizava ultrassons e raios-X no hospital, apesar de receber R$ 1 milhão por ano para este fim.
As Organizações Sociais prejudicam o atendimento aos usuários e, na prática, não tem funcionado nos Estados em que foram implantadas, ao contrário têm resultado em interrupção de tratamentos, adiamento de cirurgias e consultas já agendadas nas Unidades de Atendimento.
A propaganda de que se gasta menos com a gestão via OSs é um engodo. Em São Paulo, os hospitais geridos por OSs custaram aos cofres públicos mais de 50% do que os hospitais administrados diretamente pelo setor público. Além disso, o preço dos produtos utilizados para prestar atendimento à população pode variar mais de 500% nos hospitais estaduais que seguem um modelo terceirizado. Uma ampola de clindamicina – medicamento usado para tratar infecção – pode custar mais que o dobro se comprada fora do pregão. Os dados estão publicados em relatórios produzidos pela própria Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.
As Unidades de Saúde geridas por OSs, em São Paulo, estão com um déficit de 147,18 milhões. Dos 58 hospitais, Ambulatórios Médicos de Especialidades – AMEs e serviços de diagnóstico do estado de São Paulo geridos por OSs, 41 tiveram déficit em 2010, segundo o relatório das OSs publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo. O que representa 70%.
Movimentos Sociais criticam as OSs e visitam deputados
O Fórum da Saúde do Rio de Janeiro e a Frente Nacional contra a Privatização da Saúde entregaram aos deputados, diversos documentos, entre eles o que apresenta 10 Motivos para os Deputados Estaduais votarem contra o PL nº 767/2011 e um Relatório Analítico de Prejuízos à Sociedade, aos Trabalhadores e ao Erário por parte das Organizações Sociais (OSs) já implantadas em outros estados.
O Fórum da Saúde do Rio de Janeiro afirma que não existem argumentos capazes de sustentar a defesa jurídica ou econômica das Organizações Sociais, principalmente na gestão dos serviços de saúde. Eles atestam a necessidade dos Deputados e Deputadas Estaduais do Rio de Janeiro votarem contra o Projeto de Lei nº767/2011, que cria as OSs neste estado.
As denúncias contra as OSs, apuradas pelo Ministério Público em vários estados, comprovam a existência de fraudes. É fato que a dispensa de licitação garantida às OSs para compra de material e cessão de prédios abre precedentes para o desvio do erário público, havendo uma violação frontal ao princípio da Moralidade na Administração Pública.
Os trabalhadores têm sido prejudicados com as OSs, através da eliminação de concurso público para contratação de pessoal, abrindo um precedente para o clientelismo nesta contratação, bem como para a precarização do trabalho frente à flexibilização dos vínculos, além da formação de “currais eleitorais” em diversos estados e municípios do país, suprimindo o caráter democrático do concurso público e a meritocracia. Os trabalhadores estão sendo prejudicados principalmente no que diz respeito aos direitos trabalhistas e vantagens, absorvidos nos regimes jurídicos dos servidores quais sejam: Vencimentos Garantidos por lei, conforme planos de cargos e salários prescritos pela lei 8.142/90 do SUS; Taxação do recebimento de salário nunca inferior ao mínimo nacional; Garantia de isonomia salarial de acordo com nível de escolaridade, cargos assemelhados e complexidade da função.
Além de tudo isto, o Projeto de Lei nº767/2011 extingue o controle social, prevê apenas um “Conselho de Administração”, no artigo 5º, em que terá a participação “40 a 50 % (quarenta a cinquenta por cento) de membros da sociedade civil, de notória capacidade profissional e reconhecida idoneidade moral, na forma prevista no estatuto da entidade”. A forma desta participação social é remetida ao referido estatuto que é definido por esta. Desconsidera a deliberação Conselho Nacional de Saúde nº 001, de 10 de março de 2005, contrária “à terceirização da gerência e da gestão de serviços e de pessoal do setor saúde, assim como, da administração gerenciada de ações e serviços, a exemplo das Organizações Sociais (OS) [...]”.
FÓRUM DE SAÚDE DO RIO DE JANEIRO
FRENTE NACIONAL CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DA SAÚDE

www.pelasaude.blogspot.com
pelasaude@gmail.com
Telefone: 2334-0572 Ramal: 208


[1] ABEPSS (Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social); ANDES-SN (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior); ASFOC-SN (Sindicato dos Trabalhadores da FIOCRUZ); CMP (Central de Movimentos Populares); CFESS (Conselho Federal de Serviço Social); CSP-CONLUTAS (Central Sindical e Popular); CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil); Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina, Enfermagem e Serviço Social; FASUBRA (Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das Universidades Públicas Brasileiras); FENASPS (Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social); FENTAS (Fórum das Entidades Nacionais de Trabalhadores da Área da Saúde); Fórum Nacional de Residentes; Intersindical (Instrumento de Luta e Organização da Classe Trabalhadora e Instrumento de Luta, Unidade da Classe e de Construção de uma Central); MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra); Seminário Livre pela Saúde; os Fóruns de Saúde já existentes (Rio de Janeiro, Alagoas, São Paulo, Paraná, Londrina, Rio Grande do Norte, Distrito Federal, Pernambuco, Minas Gerais, Ceará, Rio Grande do Sul, Paraíba); os setoriais e/ou núcleos dos partidos políticos (PSOL, PCB, PSTU, PT e PC do B); Consulta Popular e projetos universitários (UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro; UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro; UFF – Universidade Federal Fluminense; UFAL – Universidade Federal de Alagoas; UEL – Universidade Estadual de Londrina; EPSJV/FIOCRUZ – Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da FIOCRUZ; CESTEH/ENSP/FIOCRUZ - Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Escola Nacional de Saúde da FIOCRUZ; UFPB – Universidade Federal da Paraíba; USP- Universidade de São Paulo).

sábado, 3 de setembro de 2011

Saúde e medicamento: Direito ou mercadoria?

Por Bernardo S. Pilotto¹ e Felipe A. Remondi²


A compreensão de que a Saúde é determinada social e dialeticamente (tanto o social influencia o individual, quanto o inverso) vem ganhando força nas últimas décadas em função de sua relevância, mas principalmente por sua coerência. Admitir que a Saúde é socialmente determinada nos obriga considerar diversos elementos (hábitos de vida, genética, ambiente, condições de vida, alimentação e trabalho) que compõe esse processo, de forma que para se promover saúde é necessário o trabalho articulado e inter-setorial sob esses determinantes.

Longe da ingenuidade de compreender esse processo de determinação como isento de interesses políticos e econômicos, nota-se que principalmente após a industrialização da sociedade o elemento mercantil tem influenciado direta e indiretamente esse processo. Na sociedade capitalista temos, hegemonicamente, a idéia de que a única possibilidade de ter saúde é consumir saúde. Consumir saúde leva diretamente ao consumo de medicamentos, que é o principal símbolo de “saúde” nesta sociedade.


Dada esta situação, a utilização do medicamento, da necessidade, prescrição e utilização, acontece por vias de uma ciência tortuosa, repleta de interesses econômicos e uma impressionante pressão das indústrias de medicamentos. O mesmo também acontece com as demais indústrias do complexo médico-industrial da Saúde, mas aqui faremos alguns apontamentos estreitos à indústria de medicamentos.

Uma dessas estratégicas foi evidenciada através da recente pesquisa do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), divulgada na edição do dia 31/05/2010 do jornal Folha de S. Paulo, e que assustou muitas pessoas: 48% dos médicos que recebem visita dos propagandistas dos laboratórios indicam remédios sugeridos pela indústria farmacêutica. A pesquisa mostrou ainda que 80% dos médicos recebem este tipo de visita, em média de 8 por mês; e “que 93% dos médicos afirmam ter recebido, nos últimos 12 meses, produtos, benefícios ou pagamento da indústria em valores até R$500“.

Os dados assustam, pois desmascaram uma realidade de consequências ruins para o paciente e de impacto social fora de nossa compreensão. As indústrias farmacêuticas, ao serem orientadas pela busca do lucro (assim como as outras indústrias) investem pesadamente em propaganda, chegando este gasto a ser o dobro do que ela gasta com a pesquisa de novos tratamentos.

O que fazer com as cracolândias?


por: Rita de Cássia de Araújo Almeida
psicanalista, trabalhadora da rede de saúde mental do SUS

Responder a esta questão tem sido um desafio. E as respostas, em geral, têm se sustentado num discurso meramente higienista, cuja pretensão é, simplesmente, limpar certos locais do que a sociedade atual enxerga como lixo: certos usuários de droga, especialmente os de crack. A decisão de vários municípios, seja por intermédio da justiça ou por mera intervenção do poder público, tem sido a de promover a retirada das pessoas desses lugares sob as mais diversas alegações: de que estão infringindo a lei, perturbando a ordem pública ou de que precisam ser deslocadas para locais de assistência e tratamento.

Sabemos, no entanto, que a maior parte das intervenções feitas até o momento, apesar de muitas vezes travestidas dos mais dignos e decentes atos "humanos" e "cristãos", na verdade, só cumprem a função de limpar nossas cidades daquilo que a "sociedade de bem" não deseja ver; daquilo que lhe parece incômodo, inútil e sem valor.

E não é a primeira vez que esse tipo de estratégia é utilizada. Num passado não muito distante, que coincide com o início da era capitalista, loucos, bêbados, mendigos, aleijados, e todos aqueles que não serviam para movimentar a roda do sistema capitalista, que não podiam vender sua força de trabalho, foram recolhidos das ruas e encarcerados no Hospital Geral; instituição criada para esse fim. A ordem era sanear as cidades. Não estaríamos propondo a mesma coisa para as cracolândias?

Mas há uma outra pergunta desafiadora que talvez seja mais interessante que a que intitula este artigo, capaz de produzir respostas mais potentes para o fenômeno das cracolândias. Foi um amigo que me presenteou com esta reflexão: Porque exitem cracolândias? Porque não ouvimos falar de maconholândias, cocainolândias ou ecstasyitolândias?

Trata-se de uma pergunta realmente intrigante que me fez pensar, dentre outras coisas, sobre o lugar social que o crack vem ocupando no Brasil. Apesar de sabermos que o uso do crack está presente nas diversas classes sociais, é no abandono social e nas ruas que ele tem mostrado sua face mais perversa. Não há justificativa para defendermos a tese de que as cracolândias são formadas apenas pelo poder devastador e desagregador da química do crack, com se o crack fosse o único responsável pelas cracolândias. É muito mais realista pensar que um certo tipo de população já excluída pela sociedade, seja pela miséria, pelo abandono, pelo alcoolismo ou pela dependência de outras drogas, fez do crack "a sua droga", numa tentativa de remediar o próprio sofrimento, e para isso precisaram criar um lugar delimitado na pólis. As cracolândias, na verdade, são frutos de políticas preconceituosas, excludentes, moralistas e da tão anunciada "guerra contra as drogas". Enquanto continuarmos em "guerra contra as drogas", as cracolândias funcionarão como um território de refugiados, como um gueto para os excluídos.

É de Slavo Zizek a seguinte afirmação: "É bem verdade que vivemos numa sociedade de escolhas arriscadas, mas apenas alguns têm a escolha, enquanto outros ficam com o risco". Na questão do uso de drogas isso fica muito claro. Apenas a "sociedade de bem" fica com as escolhas, mesmo que porventura arriscadas. Ela pode escolher entre vodka ou cerveja, se vai tomar remédios para dormir ou para se livrar do pânico cotidiano, se sua balada vai ser movida a "doce" ou "bala". Mas os frequentadores das cracolândias ou os que estão caminhando para ela, são exatamente os que perderam suas possibilidades de escolha e ficaram apenas com o risco.

Diante dessa realidade, o único caminho sensato para se pensar as cracolândias seria no sentido de reduzir os riscos que seus frequentadores enfrentam e possibilitar-lhes escolhas, sem esquecer que oferecer-lhes escolhas não é escolher por eles. Entretanto, sabemos que em muitos casos, a degradação subjetiva pode ter lhes prejudicado severamente a capacidade de fazer escolhas. Podemos, nesses casos, criar estratégias que nos possibilitem escolher com eles, mas jamais à revelia deles, como se tem feito. Também não devemos ofertar a essas pessoas apenas dois caminhos possíveis: com drogas ou sem drogas. É fundamental também considerar possibilidades que incluam viver - com dignidade, com todas as suas potencialidades e contradições - apesar das drogas. E sem nenhuma hipocrisia, tal como faz a maioria de nós.
Fonte: http://ritadecassiadeaalmeida.blogspot.com/2011/07/o-que-fazer-com-as-cracolandias.html